Nostalgia - como foi dançar pela primeira vez na Índia
- Amelize Mattos
- 12 de mai. de 2023
- 5 min de leitura

Esse post foi escrito logo após minha primeira apresentação na Índia em 2015, reli e adorei relembrar esse momento tão especial. Essa viagem foi um marco na minha vida e carreira. Foi quando eu larguei definitivamente a carreira de técnico em eletrônica para viver de dança exclusivamente. Então, meu "gadje puja" não foi só minha iniciação na dança clássica indiana, mas também na vida de artista profissional.
Hoje olho para trás e tenho muito orgulho da minha jornada. Pela coragem de mudar, pela coragem de seguir um sonho incomum. Tornar-se artista da dança já adulto é um tabu. Nossa sociedade crê que isso deve iniciar na infância. Eu discordo. Acredito de coração que qualquer pessoa, com muita dedicação, pode sim tornar-se um artista profissional e de alta qualidade, independente da idade que começar.
Não que seja fácil, qualquer mudança de profissão é difícil. Mas realmente acredito que é possível. E esse tem sido um dos meus propósitos de trabalho: Formar artistas incríveis, independentemente da idade.
Agora deixo vocês com esse relato muito querido de 8 anos atrás.
Amelize em 2015 dizia:
"Já se passaram muitos dias e eu não postei nada né? Bem isso foi porque estava ensaiando freneticamente para minha primeira apresentação na Índia. Quem me acompanha no facebook ficou sabendo que eu me apresentaria dia 14/12 em um templo de Ganesha e como não tive muito tempo pra me preparar os ensaios foram bem intensos. Foi praticamente uma semana pra finalizar o alaripu, aprender 4 shlokas (versos) e modificar a coreografia da profi Krishna Sharana (o Ganesha Kawutuan) para esse show.

Começamos por finalizar o alaripu. Faltava apenas um pedacinho do final que a profi Deepika me passou e então começamos a treinar os adavus que estavam em 3ª velocidade, pois esse era meu maior problema (e ainda é, pois não melhoraram significativamente). Já na segunda feira dia 7/12 me passaram a sequência do primeiro verso, que era um verso para Ganesha, que diz mais ou menos assim:
Muussika-Vaahana Modaka-Hasta
Caamara-Karnna Vilambita-Suutra |
Vaamana-Ruupa Mahesvara-Putra
Vighna-Vinaayaka Paada Namaste
(Saudações a Sri Vighna Vinayaka), cujo veículo é um rato e é quem tem o doce Modaka em sua mão
Cujas grandes orelhas são como leques e veste um longo cordão sagrado
Ele é pequeno de tamanho e é o filho de Sri Maheswara (Lord Shiva),
Aos seus pés nos colocamos Sri Vighna Vinayaka, o destruidor de todos os obstáculos.
Desde então começou meu martírio pra decorar as sequências de gestos. Foi um período

bem cômico pra mim, já que eu ia e voltava pra escola ouvindo a música e repassando as sequência de gesto na rua...quem olhava achava que eu tinha algum problema..hahahha. Até na escola alguns colegas mais chegados já tiravam onda comigo porque eu passava o tempo todo repetindo os gestos..hehehe
Na terça feira foi dia de aprender os outros 3 versos que faltavam um para Saraswati, outro para Lakshmi e o último para Lord Shiva, eles dizem mais ou menos assim:
Sarasvati Namastubhyam Varade Kaama-Ruupinni |
Vidya[a-A]arambham Karissyaami Siddhir-Bhavatu Me Sadaa
Saudações a Devi Saraswati, que nos abençoa e realiza nossos desejos
O Devi, quando eu começar meus estudos, por favor conceda-me a capacidade do correto entendimento sempre.Esse foi, sem dúvidas, meu shloka favorito!!!
Namastestu Mahaa-Maaye Shrii-Piitthe Sura-Puujite |
Shangkha-Cakra-Gadaa-Haste Mahaalakssmi Namostute
Saudações a Mahamaya, que é adorada pelos deuses em Sri Pitha (sua moradia)
Que tem o buzio, o dico (?) e o bastão em suas mãos, Saudações a Mahalakshmi
Angikam Bhuvanam Yasya
Vachikam Sarva Vangmayam
Aaharyam Chandra Taradi
Tam Numah (or Vande) Saattvikam Shivam
Aquele cujos movimentos do corpo formam o Universo
Aquele que fala todas as línguas do Universo
Aquele cujos ornamentos são a Lua e as estrelas
Ele, é a personificação da pureza (ou serenidade) Lord Shiva

Teoricamente essa sequencia de shlokas seria bem fácil (pra um indiano!!), pois é basicamente traduzir em gestos o que diz o verso. Mas para nós ocidentais a coisa complica por dois fatores, a língua que não entendemos e a relação com os deuses que muitas vezes não temos. Então meu desafio estava para além dos movimentos, eu precisava entender essa relação do devoto para com seu deus para poder exprimir o sentimento correto ao dançar. Não foi fácil, tive que dar uma pesquisada na letra, na historia e importância de cada deus para entender um pouco melhor essa relação. Nos shlokas a importância maior está no abhinaya (expressão), mas são expressões simples, de devoção, alegria e algumas outras expressões relativas ao Deus que está sendo adorado, como no verso para Ganesha que fala de suas orelhas, onde tive que imitar um elefante andando. Essa expressão foi difícil de pegar, pois requer molejo e um gracejo peculiar do elefante, coisa que não estamos habituados já que não é um animal com o qual convivemos...mas para eles é algo comum...está no cotidiano seja pelo próprio elefante ou através do deus.
A quarta feira foi um dia puxado, comecei o ensaio as 16:00 e finalizei as 21:00, meus joelhos pareciam que iam cair de tanta dor hehehe. Nesse dia ensaiei desesperadamente os shlokas e os adavus do alaripu em terceira velocidade. Ao final o guru quis assistir as 3 coreografias para ver como estava (aquele momento tenso!!! hahah). Mas foi tranquilo, dancei as 3 coreografias e ele disse que estava bom, só precisava melhorar os movimentos rápidos do alaripu e deu algumas orientações a mais para minha expressão nos shlokas, fui pra casa feliz da vida.
Na quinta lá estava eu, pronta para mais umas 4 ou 5 horas de ensaio, e qual não foi minha surpresa quando no meio do ensaio ele pede pra ver e resolve mudar a coreografia do Ganesha Kawutuan...eu pensei "puxa logo essa que eu sabia super bem". E lá vamos nós, reprogramar meu cérebro para novos passos no meio de uma coreo que já me era tão familiar. Foi bem complicado mas deu certo.

Daí pra frente foram ensaios de 5 horas com “vistoria” ao final pra acompanhar minha evolução. Também fizemos um cartaz pra convidar todos que quisesse ir assistir. Essa apresentação foi meu “gadje puja”, ou seja, minha primeira apresentação oficial (ou deveria ser, mas eu já havia me apresentado no Brasil!). Foi algo bem simbólico, tudo muito simples mas com o objetivo de ser um marco na minha história com o Bharatanatyam. Particularmente acho que cumpri minha missão, apesar de cometer alguns erros acho que estive bem, sorri bastante, curti o momento que era tão cheio de significado pra mim e para os que ali estavam. Para aqueles que me acompanharam desde o inicio na Índia e ali puderam ver um pouco do resultado de um esforço em conjunto, pois não foi só meu …. certamente meus colegas, professores, amigos e família tem mérito por isso tudo ter sido possível!"
Fotos: Gayathri Krishna e Monisha
Maquiagem: Deepika Govindaraj
Figurino: Narendra
Por hoje é só. Qual história você quer que eu conte??? Deixa nos comentários. Assim você me ajuda a escrever mais.
beijos
Ame
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